Pequenas sugestões e receitas do espanto antitedio para senhores e donas de casa durante o carnaval.

foto: Hilda Hilst -Google Images


I.
Pegue um nabo. Coloque duas ou três palavras dentro dele, por exemplo: bastão, ouro, amplidão. Chacoalhe.  Você não vai ouvir ruído algum. É normal. Ai ajoelhe-se com o nabo na mão e diga:
“Com o bastão que me foi dado
Com o ouro que me foi tirado
E sem nenhuma amplidão
De conceitos e dados
Quero nascer brasileiro
E poeta.”
Quem te ouvir vai ficar besta.


II.
Coalha um pé de couve e dois repolhos. Embrulhe-os. Faça as malas e atravesse a fronteira. Ta na hora.


III.
Pergunte ao seu filhinho se ele quer laranja descascada de tampinha ou de gomo. Se ele disser que quer laranja descascada de tampinha, diga que um menino bem educado sempre escolhe a de gomo. Se ele começar a chorar, chupe você a laranja. De tampinha, naturalmente.


IV.
Enfeite a mesa com flores. Compre um peru. Feche as crianças no banheiro. Antes de começar a ceia, convide seu marido para dançar ao redor da mesa (não mexa com o Peru). Inopinadamente pergunte se ele gosta de trufas. Se ele disser que sim, gargalhe algum tempo atrás da porta e diga que “trufas não tem não, amorzinho”.


V.
Compre manteiga. Passe-a nos dedos (esqueça Marlon Brando). Chupe-os. E diga em tom de oração: Que vida solitária, meu Deus! (Contenha-se).


VI. 
Compre uma língua de tucano (é uma umbelífera), uma língua de vaca (Chaptalia nutans é seu nome cientifico), um lírio branco (Lilium candidum), dois caquis (não é cáqui, não vá comprar o brim da cor dos caquis), ferva durante cinco minutos. Depois jogue fora, olhando para o alto. É uma simpatia para você não dormir.


VII.
Corte um saco em pequenos pedaços. Um de estopa, evidente. Embrulhe vários ovos, um por um, em cada  pequeno pedaço de estopa. Pinte caras descarnadas, dentes pontudos e beiços vermelhos na cara dos ovos (sempre esses de galinha ou de pato, é desses que eu estou falando).  Quando alguma das tuas crianças começar a pedir aquelas coisas caríssimas e imbecis que são sugeridas na televisão, cubra-se de negro a noite, use tintas fosforescentes  para ressaltar a cara dos ovos (aqueles) e quebre-os um a um nas pequeninas cabeças dizendo com voz rouca: parem de pedir coisas impossíveis a sua mãe, seus canalhas!


VIII.
(Se você for PhD, leia até o fim. Se não, pule esta).
Faca um buque de orelhas. É fácil. Peça apenas uma a cada um de seus dez amigos íntimos. Diga-lhes que é para uma causa nobre. Se perguntarem qual causa (não confundir com Cáucaso, é outra coisa), diga que você precisa mandar o buque para tua velha e querida preceptora inglesa (quando você tinha quinze anos, lembra-se?), que arrancou as tuas duas porque você insistiu inquebrantável durante doze horas seguidas que aquela primeira frase de Marco Antonio para o povão era, na “tua” tradução, “Emprestai-me vossas orelhas”. Todos concordarão, acredite, com o teu pedido. Ainda mais porque todo mundo sabe que “Lend me your ears” quer dizer isso mesmo.


IX.
Se você quer se matar porque o país está podre, e você quase, pegue uma pedrinha de canfora e uma lata de caviar e coloque ao lado seu revólver. Em seguida, coloque a pedrinha de cânfora debaixo da língua e olhe fixamente para a lata de caviar. Só então engatilhe o revólver. (É bom partir com olorosas e elegantes lembranças. Atenção: não de um tiro na boca porque a pedrinha de canfora se estilhaça).




Hilda Hilst
Sou transgressora até hoje. É meu jeito natural de ser





inspirada numa certa Borboleta, resolvi postar no mês dedicado as Mulheres, aquelas que sempre me falam.
  

Comentários

  1. Ler é um remédio extremamente eficaz para se acabar com o tédio. Eu ri: alto! =)

    Beijos!

    ResponderExcluir
  2. Sensacional!!!!!!!!!!


    bjo!

    Zil

    ResponderExcluir
  3. kkkkkkkkkkkkkkkk

    morri de rir

    quanta imaginação

    Bj

    ResponderExcluir
  4. Não existe erro nem defeito, quando verdadeiramente ama, e assim vejo não mais com os olhos, e sim sinto, não nesta harmonia, mas muito mais profundo que posso ir, quando me rendo a essa prática que é sentida por muito, e vivida por poucos.

    ResponderExcluir
  5. rs rs rs

    Da Hilda eu gosto deste:
    "Te amo ainda que isso te fulmine ou que um soco na minha cara me faça menos osso e mais verdade"

    Até que enfim! Um feriado!

    ResponderExcluir
  6. Eu gosto um tanto de Hilda..e hoje eu ri, eu ri.

    ResponderExcluir
  7. Eu não tenho um revólver ¬¬

    Beijo*

    ResponderExcluir
  8. Adorei seu blog, muito engraçado! Posso segui-lo?
    Se quiser seguir o meu também, fique à vontade: www.gabs-13.blogspot.com

    Bjão, bom feriado e aproveite bastante!

    ;**

    ResponderExcluir
  9. A melhor coisa do carnaval pra mim, até agora. Só me preocupei com a historia dos ovos... Um beijo.

    ResponderExcluir
  10. Adoro Hilda Hilst e morri de rir na história do Phd, aposto como ninguém para por ali. kkkkkkkkkkkkkkkkk
    bacio

    Ps. Obrigada pela liberdade de levar seu post comigo, fez uma menina feliz. rs

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

"Cecilia Meireles"

Postagens mais visitadas