Quero outra manhã depois dessa madrugada

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Os barulhos na noite nos enganam sempre, as sombras sempre turvam a minha visão. Não consigo identificar o arrastado de correntes que acabei de escutar. Levanto, abro a janela, mas nem a lua cheia me deixa ver de onde vem. Talvez tenha sido mais um daqueles sonhos quase reais que sempre confundem a gente.
A semana me deixou tonta, o passado sempre aparece nos pequenos detalhes. Uma frase solta, uma cena de filme, um comentário (mal) dito. Ele me acusa de alimentar fantasmas. Mas quem é ferido sabe de sua dor.
Falar com alguém que não te escuta é a maior solidão a dois. É como falar no vazio, gritar e não ser escutado naquele pesadelo que acordamos ainda com um nó na garganta.
Você não entende que minha súplica é um modo de preservar o que tivemos, o que vivemos. Será que o ferimento aberto vai levar junto todo meu amor?
 A noite avança, o silêncio se faz. Nesse momento a fragilidade do meu corpo é dominada pelo sofrer.  Na tentativa de adormecer, palavras escritas e cenas que não vivi tomam o pensamento. Como tudo é longo quando se está só! O tempo parece entorpecido.
As vozes na tv não embalam o sono. Olho para você dormindo e quase consigo me apaixonar novamente. No sono, quando estamos desprotegidos, ainda parecemos ser uma criança, e um encantamento me invade, cheio de lembranças boas. Resolvo escrever numa tentativa vã de conseguir dormir. É vespera do dia de São Valentin, e mesmo a data sendo comemorada longe, entro no clima romântico. Você sempre consegue isso, até dormindo. Quando te olho vejo o lado bom de tudo.
Os primeiros raios de sol rasgam o céu, me levanto, sento na minha mesa e escrevo:  Casamento é doce, é conversa na madrugada, abraço quando se está triste, beijo de boa noite mesmo depois de brigar, é mão que afaga na madrugada, é ensaboar as costas do outro, é cortar a fatia de queijo na medida certa, fazer sanduiche de cream craker com goiabada, é repartir o brigadeiro no prato aos domingos, é ficar junto em silêncio, sentir saudade assim que sai de casa, e todos os dias. Pequenos detalhes de nós dois, são coisas muito grandes pra esquecer , assim cantou o Roberto.
É sempre manhã, inicio, onde nossa história pode sempre ser (re) escrita.



"Depois de tudo te amarei 
como se fosse sempre antes 
como se de tanto esperar 
sem que te visse nem chegasses 
estivesses eternamente 
respirando perto de mim"

Pablo Neruda



Este post é parte integrante do projeto “Caderno de Notas – Segunda Edição”, do qual participam as autoras Ana Claudia Marques, Ingrid Caldas, Luciana Nepomuceno, Lunna Guedes, Maria Cininha, Tatiana Kielberman, Thelma Ramalho e a convidada Mariana Gouveia.

Comentários

  1. é...
    o que dizer?..
    que venham as manhãs!
    beijos .

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  2. Eu fui lendo e respirando fundo, pensando nos sonhos que as vezes ficam mais tempo do que deveriam e das ausências que vão virando pesadelos. Enfim, que venham as manhãs...
    bacio

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  3. Seu texto envolvente levou-me a pensar que a escuridão da noite sempre embota nossos pensamentos e decisões, mas que felizmente se clareiam nas manhãs.
    beijinhos,
    Léah

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  4. E é justamente a possibilidade de reinício - sem que seja necessário apagar as lembranças - que nos fortalece e faz seguir...

    Excelente e denso texto... parabéns, querida!

    Um beijo carinhoso...

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Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

"Cecilia Meireles"

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