Assim passam os anos




A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência

Hilda Hilst








Eu tinha 2 anos quando os meus pais resolveram comprar uma nova casa. Finalmente eles tinham conseguido voltar a cidade em que seus familiares moravam. Parece que o nordestino quer sempre fazer parte de uma grande família, e sempre retorna para perto de seus pais.
Foram muitas visitas até que chegamos a casa com um grande jambeiro na frente, e um terraço que para uma pequena garota parecia um parque de diversões. Era enorme, o piso de cerâmica vermelha, a minha cor preferida, parecia convidar as mais diversas brincadeiras. A minha primeira reação foi correr de braços abertos como se quisesse abraça-lo, e meus pais decidiram naquele momento que ali seria nosso lar. 
O espaço foi o meu território livre, podia largar meus brinquedos, jogar bola e até andar de bicicleta. Um paraíso.
No jardim, na sombra do jambeiro, um pequeno tanque de peixes ornamentais se transformou na minha piscina. Ali reunia minhas amigas e primos num delicioso programa de fim de semana. Até os mais velhos chegavam e ainda tentavam mergulhar na profundidade de dois azulejos, não sei como eles conseguiam!
O dia de lavar o terração era o melhor de todos, todo mundo escorregava até o portão de entrada da casa, era nosso tobogã particular. Muitos vizinhos pediam para brincar com a gente também. Suas grades protegiam as crianças e a casa. Ali fazíamos as festas de aniversário, meu primo tocava com sua banda, meu primeiro beijo foi lá em um dos famosos “assustados” que minha turminha de adolescência organizava, minha mãe passava seus dias ali bordando suas toalhas e nossa união foi abençoada pela família e amigos ali, em meio a tapetes e rosas vermelhas.
Algumas reformas foram feitas na casa, nenhuma delas modificou aquele lugar sagrado. O piso não suportou o peso de ser transformado em garagem, as cerâmicas não puderam ser substituídas já não existem mais, tivemos que preenche-la de uma maneira artesanal que desfigurou sua beleza.
O pequeno tanque já não segura mais a água, hoje resiste ao tempo, mas sem utilidade…
O velho jambeiro ainda protege a casa do sol da tarde. Seus frutos são deliciosos e  sempre sofro todas as vezes que precisamos fazer uma poda em seus galhos.
Assim passam os anos, as pessoas são outras, mas aquelas paredes guardam nossas vidas e segredos que contamos e não contamos...




este post é parte integrante do projeto “caderno de notas – terceira edição” do qual participam as autoras Ana Claudia Marques, Ingrid Caldas, Lunna Guedes, Mariana Gouveia, Tatiana Kielberman, Tha Lopes e Thelma Ramalho.

 os links dos blogues das nossas autoras:

Comentários

  1. O tempo pode passar mas as lembranças ficam =)

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  2. Há lembranças que adentram o coração de uma maneira que não mais conseguimos imaginar como era a vida antes delas...
    Lindo texto!

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Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

"Cecilia Meireles"

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