escrevo o que ainda conheço






A natureza da saudade é ambígua: associa sentimentos de solidão e tristeza – mas, iluminada pela memória, ganha contorno e expressão de felicidade.

Cecilia Meireles


Saudade é palavra que só existe na língua portuguesa… nos demais idiomas não se define – é preciso várias outras palavras para dizer o que apenas nós sabemos: uma casa vazia, um coração deserto e o corpo em suspenso…

Ouço o eco de nossas risadas juntas pelos cantos da casa onde traçamos tantos planos, tivemos nossas conversas nas madrugadas ao som do rádio e Tv… eu gostaria tanto de acreditar em paraíso e juízo final. Queria saber que a gente ainda vai se encontrar dentro desse amanhã que eu não alcanço…

Nós duas tivemos de tudo… carinho sem palavras ou gestos, mas que estavam lá a nossa disposição… Amor nos detalhes dos dias vividos... Proteção e sabedoria, cumplicidade e amizade e uma certa rivalidade natural… Eramos mãe e filha, mas também éramos mulheres, aprendi a ser mulher com você, aos poucos…

Duas pessoas numa tempestade a deriva se aproximam em simbiose. Mãe e filha são separadas e conectadas pelo cordão umbilical… depois elas podem ou não permanecerem unidas – foi diferente com a gente – ficamos apenas nós duas contra o mundo ainda cedo... sobrevivendo a essa palavra – saudade – e a tudo que ela nos impôs…  novos tempos.

Você foi uma lutadora, uma sobrevivente… a vida não lhe foi generosa – não lhe ofereceu tréguas – mas você virou o jogo… lutou e como uma fera inquieta – mudou o seu destino várias vezes – sempre acreditando… seguindo em frente. Adaptou seus sonhos… soube, como poucos, ser flexivel com as adversidades.

Aprendi a vida pelos seus olhos que me mostraram o céu de estrelas do sertão antes de me levar até lá...Contos de fadas e personagens históricos se misturavam nas suas histórias contadas para que o sono fizesse morada em meus olhos… Queria você aqui hoje e amanhã também – cantando para eu dormir… indo ao meu quarto dentro da madrugada para cobrir meu corpo, aquecido pelo seu gesto…

Queria escutar todas as frases que me faziam brigar com você – sinto falta de tudo – até mesmo das nossas discussões e implicâncias. Tenho pra mim que você se divertia com isso depois que a ternura voltava..

Estou reconstruindo tudo… procurando atalhos. Escalando abismos – inventando novas pontes para esses caminhos que não sabem de seu passo – estou a aprendendo novas palavras. Tentando viver uma nova história mas só consigo isso por enquanto, por isso escrevo o que ainda conheço…



Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.


Carlos Drummond de Andrade


este post é parte integrante do projeto “caderno de notas – terceira edição” do qual participam as autoras Ana Claudia Marques, Ingrid Caldas, Lunna Guedes, Mariana Gouveia, Tatiana Kielberman, Tha Lopes e Thelma Ramalho.

 os links dos blogues das nossas autoras:


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Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

"Cecilia Meireles"

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